OLIMPÍADA E A VITÓRIA DAS MULHERES NEGRAS: UM DESAFIO AO DISCURSO DA MERITOCRACIA

       Que as mulheres estão fazendo lindo nestas Olimpíadas a gente já percebeu. Mas, não dá para deixar de destacar o show que as MULHERES NEGRAS já deram em menos de uma semana de competição.
       Ainda que os jogos olímpicos tenham centenas de contradições - eu que sou trabalhadora e pesquisadora da área de esportes poderia tecer infinitas críticas - precisamos reconhecer que os atletas que estão que ali se submeteram a exaustivos treinamentos e se destacam suas modalidades. Imagina então o significado de estar ali para uma MULHER NEGRA que é aquela que mais sofre com todas as opressões que a gente conhece de perto: é machismo e racismo andando de mãos dadas.

Ou seja, não dá para não se emocionar com a participação das pretas nestes jogos!

Teve a Rafaela Silva, no judô, conquistando a primeira medalha de ouro para o Brasil. Ela tem uma origem humilde e enfrentou ataques racistas e depressão depois da sua eliminação nos jogos em 2012. Mas, venceu lindamente agora em 2016. 



Teve a Simone Biles quebrando todos os recordes e se consagrando como a ginasta mais completa do ano. Com apenas 19 anos, ela ganhou ouro na modalidade individual e também na disputa por equipes. Ela obteve a maior diferença para a segunda colocada da história! 


Para a gente ficar ainda mais orgulhosa, a nadadora Simone Manuel, com apenas 20 anos, ganhou o ouro nos 100 metros no nado livre, mancando um recorde mundial e sendo a primeira mulher negra a vencer uma prova olímpica na natação!


E é óbvio que a mídia correu para usar a vitória delas para reforçar o discurso meritocrático. Manchetes como "De infância difícil a supercampeã: o que torna a ginasta Simone Biles tão extraordinária" ou "Rafaela Silva vence racismo, pobreza e eliminação olímpica" ou "Rafaela Silva dorme menos de três horas após ouro e já projeta bi em Tóquio-2020".

O discurso do "quem quer consegue" ou do "esporte tira das drogas" encontra eco em um senso comum que precisa apenas de uma interpretação torta dos fatos para usar exceções como regra, para usar o sacrifício pessoal, que não deveria ser exemplo para ninguém, como um exemplo a ser seguido.

     Definitivamente, o esporte não tira ninguém das drogas, assim como não é apenas a boa vontade e dedicação que faz alguém ser o melhor atleta olímpico. Assumir estas premissas como verdade seria dizer que todos os outros que não conseguem é porque não se esforçaram ou se dedicaram o suficiente. Considerando que o perfil dos "vencedores" é branco, a conclusão é óbvia:  A FALTA DE VONTADE E DEDICAÇÃO É UMA ATRIBUTO DOS NEGROS E NEGRAS. Essa é uma das teses mais antigas que para a construção do pensamento racista. Inclusive foi fundamento da escravidão.
     Além disso, o discurso meritocrático ignora todas as outras variáveis históricas e sociais que fazem alguém chegar ao topo de sua carreira. É necessário dizer que as oportunidades e condições para chegar ao topo são diferentes e que o espaço no topo é restrito. Aquele ou aquela que não chega não o faz por falta de esforço. Imagina isso na cabeça das crianças negras... Imagina isso nas aulas de educação física...
       Mas, o que dá mais orgulho é ver que nossas mulheres negras  não estão reproduzindo o que a mídia espera. Mesmo sob pressão, elas tem se colocado de forma política e só nos enchem de orgulho.
Ver a Rafaela Silva dizer que "a Cidade de Deus não tem nada demais" é vê-la negar o discurso meritocrático.  Assim como é emocionante ver Simone Manuel afirmar "Significa muito para mim, mas essa medalha não é só minha. É de muitos afrodescendentes americanos que vieram antes de mim e me inspiraram, como Cullen Jones e Maritza Correia, pra citar apenas dois. Espero que eu também inspire muitos no futuro". Ela ainda completa:

"Eu acho que essa medalha representa muito nesse momento, com alguns problemas de brutalidade policial que têm acontecido. Essa vitória ajuda a trazer momentos de esperança"

Só podemos desejar que mais Simones e Rafaelas brilhem por elas e por nós.









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